domingo, março 11, 2007

Indigência fashion




Esta história que me persegue há dias, antes que eu tenha outro compromisso, preciso narrá-la, de maneira que se algum dia, estando eu onde estiver, alguém conheça surpreso à hilária e pungente história da menina de um vestido só.


Ela diz que eu minto e que dos sete anos, aos dias de hoje, ela teve três lindos vestidos, talvez mais, ocorre que também teve um de gaze cor de rosa e tal e coisa. Mas isso aconteceu na idade de quinze anos e já não vale mais.

Seu verdadeiro desejo ser proprietária de um farto guarda-roupas onde muitos vestidos dormissem perfumados e bem passados, aguardando apenas seu desejo de vesti-los. A realidade é que durante a semana alternava o uniforme puído da escola, que usava o dia inteiro, e camisolas que surgiam do nada.


De repente um par de botas, para descansar os sapatinhos boneca de couro marrom. Na verdade ganhara, por ocasião de uma grave doença, duas botinhas que tratava com paixão e capricho.

Mas ela insiste que eu conte do vestido. Era marrom e bege, reivindicado na passagem do seu aniversário que todo mundo esquecia... Espere. Ela começa a computar riquezas e lembra seu “sono leve”, presente metaforicamente surpreendente que a mãe lhe dera. Mas o vestido indiano permaneceu na sua fantasia. Houve então uma calça de lã, blusas de linho, e alguns sapatos de que se lembrava.

Quando houve um namorado ele ficava contabilizando suas roupas novas e era muito divertido, porque já se odiavam e começaram a computar os itens da moda que ambos iam acumulando para seduzir o outro e que produzia efeito contrário.

Pronto: lembra um vestido de linho azul com excelente caimento, mas que não era dela e só pôde usa-lo uma vez e devolveu rápido. Temia se apaixonar por ele e em conseqüência desse amor fazer alguma loucura... Queria por demais possuí-lo... Era um convite a um assassinato, um desejo incontível de furto ou roubo. Sua formação cristã fê-la lavá-lo, passa-lo e devolvê-lo com exagerada urgência.

É muito chato contar que um dia uma menina de sete anos teve só um vestido que era branco no corpete com umas aplicações combinando com a saia e durante uns três anos ela só usava o vestido único, que na sua memória é objeto de ódio familiar, que revelava sua pobreza, enquanto nas reuniões de amiguinhas e eventos familiares ela desfilava solitária com ele, que no frigir dos ovos deixou uma indigência em sua imagem, um apetite por fazendas e linhas e máquinas de toda sorte, que pudessem fazer esquecer a orfandade e o desamparo refletidos em sua história de um tempo eternidade em que tinha um vestido só.


E mulher feita ganhou enfim seu vestido branco, bordado de pérolas em flores que abria seu horizonte à muitas novas vestimentas, e soava como um pedido de desculpas e uma redenção.

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