sábado, setembro 30, 2006

Desconfiança

Os mails dizem de acontecimentos espetaculares, de ideologias contraditórias, o que não sabem os jovens é que todo esse jogo de cena é mais antigo que andar prá frente, aqui em terras brasilis. Mas são tantas as contradições que fica evidente a crise, a crise que atravessam as pessoas no mais íntimo delas, é uma crise de discernimento, de razão.

Eu por mim vejo esse entusiasmo todo com uma certa desconfiança, com muita pena mesmo por saber que não se fazem mais elites como antigamente, elites de dinheiro contado, elites que ao pensar e escrever tentavam ser dignas, comprometidas, muitas vezes por causas simples, muitas vezes pensando com grandeza na construção de suas escolas, na dignidade de seus nomes, na minoração da orfandade escolar, e a sempre imprescindível presença da poesia, veiculando rebeldes, confortando mentes inquietas, provocando amores, uma sexualidade cívica.

Isso tudo é muito passado, e hoje e amanhã quero ver o comportamento desconfiado, escaldado quanto a capacidade de gerir o caos instalado no inconsciente das pessoas, e como dizia outro dia um grande amigo: onde o ego do eleitor vai calhar com seu candidato a eleger? Teremos ainda empatia com um operário macunaíma?

Votem amigos, inimigos, desconhecidos familiares.

"Com respeito ao juízo que faço de mim mesmo, procuro sempre inclinar-me mais para o lado da desconfiança do que da presunção" ... "sujeito ainda a fazer o testemunho do juízo, à fraqueza e instabilidade da memória, o testemunho enganoso dos sentidos."

Descartes

O resto é balela, houve o futebol, haverá carnaval, domingo eleições... Juízo não formula inteligência, aquela que socorre outras faculdades.

Está instalado um juízo de circo e alienação.

terça-feira, setembro 26, 2006

As impressões do dia

Vamos rir um pouco da paranóia alheia, que diz que há cobras à sombra prontas para dar o bote. O cenário já não é mais de suposta apatia, nem um teatro desocupado, há um discurso primitivo e maniqueísta ditando os próximos passos, não é tão simples assim. Disso fim.

Para nós uma tempestade de neve ou um dia de quarenta graus, qualquer choque de extremos, desde que extremos. Dar um tempo de babel e pressa. Só lamento, mas vou à festa e nem serei eu a sair de lá, dadas as circunstâncias, você melhor que compreende, será solidário...

Imagine que descobri que o papa sobe e desce de um "trono", pode? Acho que ele é mesmo muito poderoso, prá pendurar o deus dele numa cruz...

Sonhei uma imagem de uma igrejinha submersa num mar muito azul, cheio de peixinhos e sereias, haviam crianças de todas as raças, mortas, soltando pipas... Pura intrusão da realidade e acordei chorando, sozinha.

só mais um dia.

segunda-feira, setembro 25, 2006

A semana sem lua

Será uma semana de imediatismo e cansaço, lua nova no calendário, mas oculta no céu. Penso que será muito difícil driblar a realidade cada dia mais grotesca e/ou levitar, ou assumir aquele nariz de palhaço que tá na moda por aqui. Delinqüente só vai preso se for flagrante, precisam dos votos dos bandidos, porque bandido esperto vota em bandido etcétera. E eu que não me identifico com a realidade banal de "indigna nação", vou ter que assistir a mais um circo dessa terra de ninguém.

Eu pensei em dizer que foi bom falar hoje, mas foi confuso e rápido, então a gente comunicou chongas de coisa alguma... Coisa de relacionamentos antigos, prefiro telepatia.

Olha que eu bem queria falar de coisas maiores e mais importantes, mas urge tudo, o tempo, a fala, cada gesto, cada falha, e enfim, surpresas virão, é inevitável. Minha experiência assegura que tempos difíceis virão. Mesmo tendo escondido o tarô, mesmo tendo perdido o I Ching, posso afirmar, nessa areia movediça, talvez salvemos apenas, nosso amor alienígena e cosmogônico, ok?

por hora, e o de sempre.

domingo, setembro 24, 2006

Onde se guardar

"Você deveria não conhecê-la, tê-la encontrado em todos os lugares ao mesmo tempo, num hotel, numa rua, num trem, num bar, num livro, num filme, num jardim, em você mesmo, em você...

(...)

Quando você chorou, era por você apenas e não pela admirável impossibilidade de alcançá-la através da diferença que os separa.

Da história inteira você retém apenas certas palavras que ela disse no sono, essas palavras que dizem aquilo por que você está tomado. Bem rápido você abandona, você não a procura mais, nem na cidade, nem na noite, nem no dia.

Assim no entando você pode viver esse amor da única maneira que se podia para você, perdendo-o antes que ele acontecesse."

marguerite duras

hoje é domingo.

terça-feira, setembro 19, 2006

Missiva

Levantei tarde e no sonho você era uma espécie de visão nítida da felicidade, chinelos gostosos, nicotina, caneta macia, casa cheia de flores, amigos, música, orgasmos múltiplos e tal. Sábado faltou luz e eu vi você no fogo das velas. Ontem perdi uma grana que me vai fazer falta, paciência. Os dias tenho tido-os ocupados com estratégias de sobrevivência. Chove e faz frio, venta muito e nem posso pegar a estrada de tal maneira me encalacrei com a prática doméstica. Por isso nem tenho mais ideologia e indignação, acho que só te encontrei no sonho porque devo mesmo estar com muita saudade. Ando lendo o que me cai nas mãos e trata de política, é muito material e ainda não encontrei o tom. Corri os olhos pela sua missiva e eles se encheram d'`agua, por causa, eu creio, de sua honestidade cínica ou senssibilidade, o que dá na mesma. Minha vontade do impossível vira vontade de roupa nova e todas as músicas só fazem aumentar o hall de desejos. Pois sim, por hoje é tudo, mato meus leões diários, vou fazê-lo agora, amanhã tem outro. Até muito breve.

Eu

domingo, setembro 17, 2006

"THE COUNTRY OF THE HOUYHNHNMS"

Para falar dos yahoos, se necessita
que as palavras funcionem de pedra:
se pronunciadas, que se pronunciem
com a boca para pronunciar pedras;
se escritas, que se escrevam em duro
na página dura de um muro de pedra;
e mais que pronunciadas ou escritas,
que se atirem, como se atiram pedras.
Para falar dos Yahoos se necessita
que as palavras se rearmem de gume,
como numa sátira; ou como na ironia,
se armem ambiguamente de dois gumes;
e que a frase se arme do perfurante
que tem no Pajeú as facas-de-ponta:
faca sem dois gumes e contudo ambígua,
por não se ver onde nela não é ponta.

2.

Ou para quando falarem dos Yahoos:
não querer ouvir falar, pelo menos;
ou ouvir, mas engatilhando o sorriso,
para dispará-lo, a qualquer momento.
Aviar e ativar, debaixo do silêncio,
o cacto que dorme em qualquer não;
avivar no silêncio os cem espinhos
com que pode despertar o cacto não.

2. (outro)

Ou para quando falarem dos Yahoos:
não querer ouvir falar, pelo menos;
ou ouvir, mas engatilhando o sorriso,
para dispará-lo a qualquer momento;
ouvir os planos-afinal para os Yahoos
com um sorriso na boca engatilhado:
na boca que não pode balas, mas pode
um sorriso de zombaria, tiro claro.

para e por todos que viveram a educação pela pedra
João Cabral de Melo Neto

Quanto aos domingos, é o seguinte:

razão, utilidade, direção, transmissão... recurso e visão, escrever é um para si, antes de tudo, ou deveria ser... exercer a linguagem própria, exercer-se a si mesmo. A maior LiBeRdAdE, a mais legítima. Daí a ler, nada perde quem não queira.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Pintura e devaneios

Misturava as tintas compondo na desordem, imensa e assombrosa a maneira contemplativa, fase a fase, todas as faces que o mundo tem e tinha.

Lavava os pincéis e secava num pano manchado, guardando então com todo cuidado, pondo as tampas nas tintas.

Só então oferecia as telas úmidas de expressão, como prontas a serem fecundadas pela realidade fálica, quando explodiam plenas no gozo do sentido.


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O menino é inquieto, pergunta sem pudores, puxa minha saia, acaricia o cachorro. Eu respondo, explico, corro o tempo todo. Ele sorri e com tanta naturalidade faz evento de acontecimentos banais. Quer saber o tamanho da codorna quando sai do pequenino ovinho. Qual é o tamanho? Qual é a medida do incomensurável amor?


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Eu sou a mulher de seda, cor de crepúsculo, tenho pimenta nos lábios e conheço os caminhos que voce ignora.

Sou um monte de sílabas que formam as palavras saindo da ponta dos seus dedos nesse teclado nosso cúmplice.

Sou aquela crença da sua infância que você nega e renega, mas quando estás a perigo, ora com fervor.

Aquela música que deixa seu corpo sem lugar e o lugar onde seu corpo quer se guardar.

Sou também ninguém e alguém a quem voce quer bem, que sempre pode ser pouso e repouso onde sua mente inquieta vem quedar...


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Um coração barco à deriva, esbarrando nessas fantasias, esperando uma felicidade prometida por nenhum deus escriba. Os aspectos que seduzem são aquelas luzes acendendo momentos efêmeros e eu quero um dia palpável nessa cidade de plástico, de sorrisos de resina e out-doors.

Faço promessas e voce vento nas frestas das janelas que eu não vou fechar.

Não rasgue o papel, guarda a imagem, permita-se perder na mensagem, quebra o cálice, quebra esse cale-se!

Por mim.

domingo, setembro 10, 2006

Como um vento

Não nos encontramos para selar união e trajetória,
antes sim, um avesso de história.
E meu coração desobedece a rotina
e cria rituais para lembrá-lo,
em segredo, celebrando louco
um derramamento insólito,
um desalento...

É como se a toda hora você se fosse,
como um vento,
gelado, lento
e doce.

Assim, moço de olhos vividos,
rápida e extrema,
uma coisa que ilumina,
uma luz quase divina,
no escuro meu,
do meu corpo maduro
diante do espelho...

Uma mulher que te quer, no silêncio desse escuro, no seu corpo maduro.

sábado, setembro 09, 2006

Mais que um amigo

Quem inaugura minhas manhãs, com uma alegria incontrolável, com fome de comida, de água e sobretudo de canteiros, jardins, ruas...

Quem me atende a qualquer distância, conhece o motor do carro, até porque é muito gasolina, ele sempre vem, exceto quando a concorrência é desleal e há alguma donzela no cio. Rola demoradamente na grama, deseja frutas e biscoitos.

Para sua casa, elegeu a sala, os sofás, almofadas que derruba de acordo com seu humor e necessidade de atenção. Onde guarda os seus brinquedos e ossos, onde come suas iguarias.

Tem sombrancelhas espessas e um bigode pleonástico, cheira a mundo. E se esquece no meu colo horas a fio quando vou escová-lo. Fica vaidoso em sua colier rouge.

É valente e prepotente e odeia os demais do seu gênero, furioso lança com força as patas trazeiras, rosna e late, indiferente se são minúsculos yorkshire's ou terríveis pit-bulls.

Inverte papéis e se acha meu dono, me disputa com os outros membros da casa. Se deita ao meu lado e sabe, sim ele sabe que se trata dele esse momento de escrita.

Porque meu coração está aflito com sua cirurgia, tenho medo e espero uma resposta do veterinário, porque é mais que um amigo, é parte de minhas simples essenciais alegrias...

quinta-feira, setembro 07, 2006

quarta-feira, setembro 06, 2006

A farta loucura

Desse ponto em diante é impossível dar asas à razão. Opostos, limites, se manifestam em curso livre, como numa forte correnteza de rio. Afetos, humores flutuantes, apaixonados, estarrecidos, irados ou delirantes, se alternam intermitentes.

Essa loucura desencadeia-se a si mesma, mira o inatingível, sem ela onde caberia o abissal do amor?

Como suportar a insuficiência senão na fusão com o outro? A intelectualidade sucumbe a outros apelos, primitivos. É um vazio do Saara, o rompimento de um dique, um fantasma e sua extensa sombra sob o sol. A geometria inventa o paralelo oposto. Esse fio que se desnovela, focalizando palavras e comungando silêncios...

Enfim, atentos que somos à nada simples delirância, num mundo onde imperativa é a crueldade, como num manifesto de Artaud, num teatro aberto e perverso, desafio mesmo é a construção de um amor inventado, além do fascínio ou da confusão, que não se dissolva na amplidão de seus ecos.

De resto queima e gela uma voz meio rouca e um par de olhos intrigantes.

terça-feira, setembro 05, 2006

Ficções

Se uníssemos nossas mãos você saberia que boa parte do tempo, as tenho frias. Mesmo assim eu te agasalhava e soprava a sua boca, só prá você soprar a minha e misturarmos nossas almas. Não existia consulado, oceano e ponte aérea impedindo um encontro e você pulava de dentro dos meus livros preferidos, sorrindo e me contando bobagens, daí era entrar naquela cachoeira, num dia de sol quente, depois de andar trilhas no meio do mato, eu servia chá com bolo de banana e canabis, da minha receita secreta, anoitecendo nós procurávamos um lugar para dançar e nem veríamos o dia nascendo nos lençóis brancos que eu queria comprar, até esquecia que você deu uma escapadinha estratégica e chamou nossos registros de jargão psicanalítico, eu contava isso para o meu corpo que ia ficar feliz demais, mudava meu metabolismo e ríamos muito e fazíamos uma festa com champagne e absinto, na praia levando tulipas vermelhas de Amsterdã para Iemanjá. e...

o que poderia ser mais concreto que tanta ficção?

domingo, setembro 03, 2006

Arkhé

Eros, um deus demoníaco.

Furor arqueológico, dos primeiros registros e seus desdobramentos, modelo da história de uma divindade que se tornou recorrência corriqueira, esfinge, assunto sério e brincadeira.

Na Teogonia, no começo, o universo era constituído de três elementos: o Caos, espaço aberto, matéria rude e informe, à espera de organização: A Terra, ainda inconsistente e cheia de cataclismos, e Eros, a força que permitiu a aproximação e combinação de seres e coisas.

Órficos dizem que ele nasceu do ovo primordial, engedrado pela noite.

Para Platão, é nascido de Poros (recurso) e Pênia (pobreza), razão pela qual a todo tempo busca seu objetivo - pobreza, e sabe imaginar meios de atingir seus alvos - recurso.


Cosmogonias:

"Somos seres vibrando
Força e beleza cósmica
Mundos estranhos em movimento,
que de repente
podem se tocar
na dança da precisão do acaso",

Ex arkhés,


o legítimo delírio de domingo.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Era uma vez...

a garrafa de licor
o sofá e a sala
o cachorro
alguma dor

uma tela
propondo
sentimentos
armadilhas

ela vagava
palavra
imperativo medo
velha sábia, e,

ca-la-va...

foram para sempre...


***


São raros
puros
incenso
cálice
cigarro
cristal

penso nele

Se é chuva
faz frio
choro
rio
sou veloz
cumprimentos

e penso nele

Toca o telefone, acendo a luz, o céu escuro na janela, cigarro


ainda penso nele.