sábado, fevereiro 24, 2007

Equacionando

Se fosse possível destrilhar os caminhos
Se fosse possível descomer os caviar e fois grass
E se eu pudesse ouvir de novo as suas mentiras
eu responderia com meu melhor silêncio: não.

Vomitaria seu vinho
escorregava seu convite
não apertava sua mão
não beijava nunca vocês

Mas sinto a sensação
sendo cuspida e amarrada
como um reconhecimento da sua ditadura
o ferro quente a mente nua

Inverti o tempo a meu favor
Sua voz não diz mais nada
São "exibicionistas póstumos"
De um formato que se esgotou

E agora minha manhã é leve
Uma revoada de prazer
Tenho um coração de neve
Se a dor vem de você

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Gato Azul


Gato maior que as palavras.
Gato insone,
no trânsito das letras,
na dedicação parnasiana pela perfeição do texto.

Eu preciso das suas sete vidas
para respirar minhas idéias nas suas,
para suportar enlouquecida
a lucidez dos números,

esperar as horas da noite escorrendo
até a sua chegada.
Acordar ao seu lado,
ressonando a madrugada.


Gato luz no fim do túnel,
silencioso e sábio,
alerta e rápido.
E,

eu quero com céu azul,
eu quero com céu de chuva,
com mãos bonitas,
macias como luvas de algodão,

e com flores exageradas,
no vermelho e no tamanho.
um som dizendo nada,
o ser justificando

como se houvesse sentido
nesse demasiado humano,
meu parceiro felino
azul esfumando...

sábado, fevereiro 10, 2007

"com os passos mudos de uma reticência"

Quando eu convidei aquelas mulheres para uma reunião que me parecia tão importante na época e só veio você, alta, alegre, decidida e cheia de histórias, ao final eu pensei, que pessoa interessante. Recém chegada do nordeste, cheia de planos e idéias, experiências que não serviam para o aperto em que nos achávamos, enfim, ficamos a trocar inexperiências, rindo e tomando chá. Uma semana depois a surpresa, e eu deixando uma menina com flores na porta do hospital, para visitar sua mãe, que me era uma mulher estranha.
Depois nós tentávamos rir, naquele circo de horrores que eram as seções de quimioterapia, e você tão otimista, querendo saber mais e fuçando na internet tudo que pudesse trazer alguma esperança.
Sua linda casa nas montanhas, os macacos brigando e a natureza animal se impondo, e nas paredes muitas cores, nos quadros, nos vasos, nos detalhes da decoração.
Vinho e Janis, cores e adornos, anéis e brincos de impecável bom gosto, fiquei com a flor de pedra azul, para ter você e sua amizade ao alcance dos dedos.
Um afastamento suave, uma amiga intensa, uma saudade delicada, cores. Nunca mais me lanço em lutos. Até porque você cumpriu a promessa de suavidade, que me parecia uma fantasia romântica, foi como um sopro, com os passos mudos de uma reticência.

domingo, fevereiro 04, 2007

Olhos Verdes

Ele tinha uma voz muito peculiar, masculina e doce. Os cabelos negros e olhos muito verdes, a boca roxa e cianótica. Lembrá-lo é sempre meio parecido com uma invenção infantil, pela forma que a vida se lhe apresentou: curta, dura, implacável.

Gostava muito de plantas, cuidava delas com muito carinho e quando ele morreu, elas se foram. Foi-se também o canário belga, esqueceram de alimentá-lo. Esqueceram de lembrá-lo. Esqueço sempre de esquecê-lo, entre histórias e estórias que confundem sua memória na minha.

Ele era um homem, manso, assustado com o inevitável da proximidade da morte. Viveu os derradeiros dias proclamando o gosto do momento. Um amigo, um amante, um pai, um trabalhador. Ele é. Não o encontro, no lugar onde foi deixado esse seu ser, que ainda é.

Essa busca me leva a encontros curiosos, estranhas erosões que o tempo provocou, pessoas, relatos, fotografias.

Um vazio indizível, e uma ausência verde, a intuição de um olhar. Quitação impossível, dívida de cobrança impertinente.

Nessa inexistência mentirosa, uma sombra a me fitar.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Ressaca

Todo apogeu é seguido de um dilúvio. Grande obstáculo à constância diante do continuum da existência, sustos e soluços. Então você pensa ter encontrado a relação ideal na esfera que escolher e puf. Não é nada do que você pensou que seria. Logoff e toca adiante.

Questão é que num dado momento a libido fica preguiçosa, acomodada, meio sarcástica rindo dentro de nós. Segue-se estrada a fora.

Era uma vez uma moça que acreditava em tudo, até descobrir que viver é um trote, uma farsa, alguma brincadeira cósmica, de pôr os seres habitando a carne, instrumento mais frágil e vulnerável das matérias nesse planeta.

Um barco de papelão navegando mar adentro, um sentido a menos e a impossibilidade de comunicação. Linguagens que se reinventam e o incomunicável, em tempos como os nossos não é fácil estender a mão.